quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Temerários do mundo, uni-vos!

Hoje me senti uma temerária, falando em revolução...
Afinal, qualquer coisa que se pareça com um ideal, que lembre um sonho, que chegue perto de um desejo... passa a ser nada menos que pura tolice!
O bom mesmo é ser esperto... Nao acreditar em nada, em ninguém, em mudança nenhuma, no mundo, nos homens ou animais ou deuses.

A Flor e A Náusea

Desespero, angústia, lutas vãs... de outro lado a esperança que nasce da dor mesma. Da dor de se estar preso à sua classe e a algumas roupas. E a poesia que se descobre mais pobre, ao mesmo tempo descobre o momento mais extraordinario do cotidiano: aquela feia flor que rompe o odio. Aquele pensamento bruto que rompe qualquer revolução de classe média, e faz a sua revolução de flor. Flor feia, sem arte, sem o ideal romantico, sem ciência. Flor revolucionária.

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias, espreitam-me.

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam pra casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(Carlos Drummond)


sábado, 1 de setembro de 2007

Transparente

Ser clown significa assumir-se.
Para fazer o outro rir, para tentar fazer sentido no momento do outro, o clown se exibe, e dá mais vida à sua própria estranheza. Ao assumir que é humano, tem limites, se torna mais humano.
Ser clown significa despojar-se.
Parece que no momento, ele é o centro da atenção, mas de fato o centro de tudo é o outro que o observa e a quem ele observa, e o observar, o olhar, é o mais importante.
Todas as debilidades à mostra, para que todos vejam o quanto ser humano é dificil e ao mesmo tempo interessantíssimo.
Ser clown não significa fazer rir, mas especialmente fazer sorrir - enxergar beleza no mundo, e graça nas coisas mais simples e improvisadas.